quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Entrevista de Filipe Soares Franco


O Record publicou ontem uma extensa entrevista com o Dr. Filipe Soares Franco, Presidente do Sporting Clube de Portugal, que pode ser hoje lida na sua versão online.

A primeira nota de destaque vai, obviamente, para o facto de aquela publicação desportiva, ao contrário daquilo a que já nos habituou, ter preenchido o vazio de informação que caracteriza esta época do ano com nem mais nem menos do que… uma peça jornalística. Bem hajam por isso!

Por entre as perguntas que não foram feitas e as respostas que não foram dadas, algumas passagens chamaram a minha especial atenção.

CARLOS PAREDES

Como dizia um antigo professor meu de Introdução à Economia (Prof. João César das Neves), “à segunda-feira, toda a gente acerta no Totobola”.

Isto para dizer que, embora considere que só fica bem ao presidente do Sporting (como a qualquer outro ser humano) reconhecer os seus erros, não posso concordar com ele.

Carlos Paredes, à época da sua contratação, era um jogador de créditos firmados, experiente, com um vastíssimo currículo que, por esses motivos, poderia ser de extrema utilidade a uma equipa, como a do Sporting, à qual mais do que qualidade, faltaria alguma experiência.

Não resultou, de facto. Mas isso, por si só, não invalida que, à data à qual foi feita, não tenha sido uma boa contratação. E é na altura própria que devem (ou não) ser reconhecidos os méritos de determinados actos e não apenas depois de serem conhecidos os seus resultados práticos.

CARLOS FREITAS

Este é, sem dúvida, o elo mais fraco da actual estrutura directiva do futebol do Sporting.

Soares Franco é o Presidente do Sporting Clube de Portugal, o que lhe confere um estatuto e lhe garante um especial respeito que lhe advém do cargo que ocupa. Ribeiro Telles é uma espécie de reserva moral dos sportinguistas (por motivos que me escapam, devo confessar). Pedro Barbosa é um antigo e carismático capitão de equipa. Paulo Bento teve o mérito de criar uma especial empatia com os adeptos.

Sobra Carlos Freitas que, além de não gozar do estatuto de nenhum dos supracitados, é assumidamente não sportinguista. Além disso, nunca tentou colocar-se em bicos de pés para recolher os louros dos títulos que ajudou a alcançar, não criando dessa forma uma especial empatia com os adeptos que, pura e simplesmente, tendem a dissociá-lo desses títulos e a associá-lo apenas e somente a algumas contratações falhadas, com prejuízo claro e óbvio para a sua imagem.

Ao longo do recente processo de julgamento de Carlos Freitas na praça pública, alguns mitos se foram criando. Um deles, talvez o mais paradigmático, está relacionado com o prémio de produtividade que recebeu no final da época 2006/2007 – 86 mil Euros – por ter contribuído para a qualificação da equipa do Sporting para a Liga dos Campeões, através do 2º lugar alcançado na Liga nacional.

Já era tempo de alguém vir a terreiro, como Soares Franco agora fez, sair em defesa de Carlos Freitas e colocar um ponto final neste episódio. Diz Soares Franco que, “comparativamente com os prémios que são atribuídos pelos nossos concorrentes, (…) 86 mil Euros é quase ridículo”. Não conheço a realidade dos “nossos concorrentes”, pelo que não posso aquilatar da veracidade destas palavras.

Mas conheço a realidade empresarial. Grande parte dos quadros directivos de grande parte das empresas cotadas tem acesso a prémios daquela magnitude (pelo menos), já para não falar em membros dos órgãos sociais, como é o caso de Carlos Freitas.

Independentemente da imagem que alguns puristas queiram fazer passar, o 2º lugar é, actualmente, e à falta de melhor, uma conquista para qualquer clube da Liga Portuguesa, não só pelo acréscimo de prestígio associado à participação na Liga dos Campeões, mas sobretudo pelo significativo volume de receitas em que se traduz. Numa perspectiva empresarial, é claro que esse feito tem de ser premiado.

E não esqueçamos que Carlos Freitas, enquanto responsável do futebol do Sporting, esteve também associado ao êxito desportivo, designadamente a conquista da Taça de Portugal.

MODALIDADES

Embora não tenha resultado claro, da entrevista concedida por Filipe Soares Franco, a forma como os sócios do Sporting serão chamados a decidir, já que o próprio exclui à partida a hipótese de referendar essa questão, concordo que caiba aos sócios do clube a última palavra sobre a continuidade (ou não) das modalidades amadoras.

A questão não é simples. Há quem entenda que o Sporting, tal como o Manchester Utd, por exemplo, deverá dedicar-se exclusivamente ao futebol, modalidade que lhe dá visibilidade e receitas. Há, por outro lado, quem entenda que o Sporting, tal como o Real Madrid ou o Barcelona, por exemplo, deverá honrar a sua história, a sua tradição ecléctica e os seus pergaminhos de uma das equipas mais tituladas do mundo nas mais diferentes modalidades, afectando recursos do futebol à manutenção dessas modalidades. Penso que será uma questão que deverá ser deixada à consciência de cada um dos sócios do clube.

Mas parece-me inegável que, como defende Soares Franco, o Estado deve assumir parte dos encargos dessas modalidades e devolver ao Sporting parte daquilo que o Sporting tem dado ao País ao longo dos anos.

Não me parece sequer que seja uma situação de excepção porque o Sporting, ao contrário de outros, dá um contributo decisivo para a formação de atletas das mais diferentes modalidades, fazendo jus à sua natureza de instituição de utilidade pública, num trabalho meritório que consome recursos.

O Sporting não se limita a juntar aos seus quadros atletas de créditos firmados, comprando dessa forma a glória. O Sporting investe tempo e dinheiro na criação de atletas, de campeões, para o clube e para o País.

Ainda que mal comparado, no que diz respeito às modalidades, a diferença entre o Sporting e alguns dos seus concorrentes é semelhante à existente, no mundo empresarial, entre alguém como o Eng.º Belmiro de Azevedo e alguém como Joe Berardo. Enquanto o primeiro corre riscos, investe, cria emprego, enfim, tem iniciativa empresarial, com benefícios claros para a sociedade em que se insere, o segundo tira proveito da iniciativa de terceiros, tendo como único fito a obtenção de proveitos próprios no mais curto espaço de tempo.

Um merece ser incentivado, o outro não.

LOTEAMENTO

Soares Franco reconhece que o imbróglio com a Câmara Municipal de Lisboa se traduziu em prejuízos directos da ordem dos 12 milhões de Euros. Prejuízos que os nossos adversários directos não tiveram porque, ao contrário do Sporting, e como já vem sendo hábito, conseguiram obter cedências por parte do poder político em condições muito mais vantajosas, quer se meça em termos das contrapartidas propriamente ditas, quer se meça em espaço de tempo que as mesmas demoraram a ser deliberadas e a produzir os devidos efeitos.

Tudo isto nos leva a pensar que talvez fosse apropriada a tomada de uma medida de força, para que ao Sporting seja dado aquilo que lhe é devido (e nada mais do que isso).

Face a isto, como reage o Presidente do Sporting Clube de Portugal? Pasme-se… Por “uma questão de educação e formação”, não é capaz de “tomar uma medida radical em relação à Câmara”, apesar de reconhecer que a sua atitude “faz mal ao Sporting”! Segundo o próprio, o Sporting não toma uma posição de força nesta matéria porque “tem um mau presidente para estas causas”!

Que educação foi essa que recebeu que é incompatível com a defesa dos superiores interesses do Sporting Clube de Portugal, senhor Presidente?!

Não estamos a falar em eleger o director-executivo da Liga de Clubes tendo em vista a obtenção de proveitos próprios nem em contratar para os órgãos sociais do clube o dono de um clube adversário, nem outras tramóias do género. Aí, estamos de acordo. Não há título de campeão nacional que valha a participação activa num desses cambalachos. É uma questão de princípio.

Estamos a falar, apenas e somente, da representação institucional do Sporting Clube de Portugal junto de um órgão de soberania. Que educação ou formação se poderá sobrepor a isso? Que princípios morais assim tão sagrados estaria a pôr em causa? Não foi precisamente para isso que foi eleito? A quem caberá então a espinhosa missão de defender os interesses do Sporting se não ao Presidente do próprio clube?

Porque se não se imiscui nos assuntos do futebol, nem entende que a defesa dos interesses do clube se enquadre na descrição de funções do cargo que ocupa, começa a ficar mais clara a razão pela qual o Sporting só lhe ocupa uma hora por dia. Afinal de contas, não sobra muito mais com que se preocupar.

PRIORIDADES

Diz também Filipe Soares Franco, a páginas tantas: “Estou a erguer um projecto empresarial onde tenho milhares de pessoas dependentes de mim e precisam de ter a confiança e atenção. Portanto, não podem perceber que o Sporting é a minha primeira prioridade. E não é.”!

Palavras para quê?... É tudo uma questão de prioridades! E de muita falta de pudor!

Sem comentários: